sábado, 21 de janeiro de 2017

A mente não é sua

Você acredita que é esse “alguém” fazendo algo...
Algumas vezes você já se pegou um pouco curioso quanto a esse movimento [dos pensamentos]. Você viu claramente que era como se alguns pensamentos tivessem sido colocados dentro da sua cabeça; não eram exatamente seus. Em alguns momentos, você ao menos desconfiou que eles não eram seus. Você notou: “Mas como posso estar pensando isso? Isso é completamente absurdo, é completamente louco! Mas que pensamento estúpido! Eu não sou capaz de fazer isso, de cometer tal coisa, ou de pensar dessa forma, no entanto, o pensamento está aqui e eu não consigo me livrar dele...”
Então, essa voz aí dentro, esse movimento aí dentro, com o qual você se confunde, é a causa de todo o conflito, de toda a luta, de todo esse desespero. Pensamentos que não deixam você dormir, não deixam você em paz... Você tenta expulsá-los, tenta ocupar esse espaço de pensamentos perturbadores com alguma outra coisa, com um outro modelo de pensamentos, com uma outra série de pensamentos. Então você vai ler um livro, vai ver televisão, vai ouvir música, ou vai tentar fazer coisas para que a mente não se movimente dessa forma, porque ela produz desconforto, ela produz guerra, ela está em desacordo com ela mesma, está em contradição, em conflito. Você passa a maior parte do dia ocupado com pensamentos. 1% desses pensamentos têm um lado prático nesse seu dia, mas 99% são pensamentos inúteis, pura imaginação, pura fantasia.
Uma coisa que você não percebe, e que é bastante real, é que durante o dia você sonha da mesma forma que você faz à noite. A diferença é que quando você tem um sonho à noite, ele parece desconexo, um pouco sem pé nem cabeça, sem começo, sem fim e sem continuidade. Já no estado de vigília, seu sonho parece mais conexo, com princípio, meio e fim. Então, a mente, no estado de vigília, não tem a liberdade que ela tem no estado de sonho; ela é mais lógica, mais sensata, mais educada, mais organizada, enquanto que no sonho ela é desconexa, desorganizada, e mais livre para criar o seu mundo. No entanto, ambos os mundos – o mundo do estado de vigília e o mundo do sonho – são imaginações, pensamentos produzindo imagens. Isso não é real. Durante o sonho, à noite, você sonha estar com alguém e, durante o dia, no estado de vigília, você sonha ser amado ou gostar de alguém, ou estar distante ou próximo de alguém. Mas esse “distante e próximo” é pura imaginação, porque, de fato, você não está próximo nem distante de ninguém.
Na mente egoica, nessa mente inquieta, você está em um mundo muito privado, muito particular; em um mundo ilusório de uma entidade presente, separada, ocupada somente com as próprias imaginações, crenças, conceitos, opiniões, julgamentos, avaliações do que é e do que não é, do certo e do errado, criando e produzindo constantes estados sentimentais e emocionais, que vão da alegria eufórica, em um extremo, a outro extremo de profunda depressão, tristeza, angústia e solidão. Esse é movimento do “eu”, dessa suposta pessoa que a mente aí diz que é você. E você confia nisso, você aceita isso como real, e, no entanto, tudo isso é uma forma de sonho. O seu mundo é sonho, o sonho da mente. A mente não é sua. O seu mundo é a ilusão de um mundo particular e privado, algo que nós chamamos de “pessoa”; mas não há pessoa, só há a crença, essa ideia, esse conceito, essa imaginação.
Estamos juntos?
Você nunca descansa disso, a não ser quando dorme em sono profundo. Aí, essa sua história – que é imaginação, que uma hora aparece no estado de sonho, à noite, e outra hora no estado de vigília, durante o dia – desaparece. Quando essa história desaparece, todo o sofrimento desaparece, todos os seus problemas desaparecem. Essa mágoa, esse ressentimento, esse sentido de abandono, de solidão, de falta de algo ou de alguém, o desejo, o medo, tudo isso desaparece em sono profundo, porque o sentido ilusório de alguém presente, seja no sonho que acontece à noite, seja no estado de vigília que acontece durante o dia, desaparece.
O que significa esse encontro? Um encontro de investigação dessa natureza ilusória do pensador, do fazedor, do autor dos pensamentos, do autor das ações. Eu estou dizendo que ele não é real, e você pode constatar isso, você pode e precisa constatar isso diretamente.
Você não conhece o outro. Não tem o outro para ser conhecido. Não há o outro porque não há você. O outro é só uma ideia em cima dessa ilusória pessoa que você é. O outro é uma necessidade dessa mente egoica. Repare que todos os níveis e formas de relacionamento que você conhece e aprecia estão baseados em concordância, em opiniões comuns. Uma luta constante entre opiniões e desejos comuns, afinidades, reciprocidades... Há uma luta constante porque o sentido do “eu” presente precisa de atrito, precisa conflitar, ele precisa de resistência. Então aquilo que parece ser comum, que une duas pessoas, como uma opinião, uma conclusão, uma afinidade de desejos, nada disso é real. Elas estão brigando entre elas, estão constantemente se ferindo, conflitando uma com a outra, divergindo uma da outra. Então, o relacionamento fica muito interessante. No ego, vocês amam isso: amam o conflito, a competição; amam lutar, disputar, competir...
Percebem isso?
Todos que você busca encontrar e com eles conviver, e que você diz amar, são assim. Ele ou ela estará sempre pronto para ferir você, ofender você, magoar, entristecer, chatear, aborrecer... E você ama isso. Esse sentido do “eu” presente precisa resistir a isso, precisa lutar contra isso, odiar isso, rejeitar isso, não querer ser tratado assim pelo outro. Isso é o que eu chamei de amar. Esse sentido de resistência fortalece o sentido do “eu”, alimenta o sentido do “eu”, desse “mim”. Esse “eu” ama isso. É bem paradoxal: você não quer isso para a sua vida, mas, na verdade, você quer muito isso, porque isso traz sentido para a vida do ego, para a vida da pessoa que você acredita ser.
Eu tenho observado isso muito claramente em Satsang. Quando as pessoas vêm a mim, elas não querem se livrar da pessoa que elas acreditam ser. Elas querem ter só um alívio temporário, porque elas não se suportam nesse comportamento doentio, infeliz, miserável. Então, elas querem um alívio, mas não querem a Liberdade. A Liberdade é o fim do “eu”, é o fim dessa mentira, é o fim dessa ilusão, é o fim do relacionamento, é estar só. Não é estar isolado, é estar só em relação com tudo, inclusive com pessoas; pessoas mais próximas, como namorada, mulher, filhos, marido, ou pessoas mais distantes, como o padeiro da padaria lá da esquina, a menina do caixa do mercado... Estar em relação com o mundo à sua volta, com coisas à sua volta, com pessoas à sua volta, mas sem mais essa ilusão de se sentir uma pessoa, valorizando pessoas, se confundindo com essa ilusão, buscando essa gratificação egoica nos relacionamentos.
Não há felicidade no outro, porque não há felicidade aí, em si mesmo, quando o outro é uma projeção desse desejo de ser alguém. E essa “firmeza” se estabelece nesse estado conflituoso, nesse estado de guerra, de disputa, de confusão. É necessário ir além do sentido do “eu”. É necessário descobrir o que é estar só, livre do medo, livre dessa carência, desse desejo de produzir conflito para si mesmo, de apreciar o conflito consigo mesmo, nesse, assim chamado, “outro”.
Como soa isso para você? Ficou muito confuso?
Estou tratando com você de algo que você pode observar, que você pode constatar, e, de imediato, dar um salto para fora disso, porque está sendo visto. Só quando você não vê o jogo é que ele se mantém inconsciente. Aí, você não entendeu o que é estar sozinho. Estar sozinho é estar numa relação real, numa relação real com a vida, com tudo e com todos. Uma relação real é a relação onde o pensador, o fazedor, o sentido de alguém não é importante. Isso só é possível quando, nessa plena atenção desse movimento interno do “eu”, ele é desmontado; quando o desejo de ferir e ser ferido não está presente; quando o desejo de magoar e ser magoado não está presente; quando o desejo de segurar o outro e explorar o outro em nome do gostar, do amor, e de ser explorado pelo outro, nesse antigo jogo de querer ser amado e apreciado, não está presente. Esse outro não é real. Estar sozinho é a única possibilidade real. Quando se está acompanhado, se está na ilusão de ser alguém, de ter alguém para si mesmo e ser alguém para outros. Aí está o sentido da separatividade. Aí está a ilusão dessa ego identidade. É necessário romper com isso!
Você está sozinho! Na verdade, todo o universo aparece nesse “estar só”. Só há você, e você é essa Presença, essa Consciência, você é Deus. Em Deus, todas as aparições são aparições Nele, não é algo separado Dele. Quando se está só, não há o sentido de separação, porque não há dois, não há “você e o outro”. O pensamento criou o outro, o desejo criou o outro, o medo criou o outro, o sentido do “mim” criou o outro, o sentido do “eu” criou o “tu”.
O Amor só é possível quando se está só. Só há Amor em Deus. Deus é Amor. Mas esse não é um “só isolado”, é um “só de Totalidade”, de Presença, onde todas as aparições aparecem nesse Único.
E agora você diz: “É assustador notar isso, mas é bem assim. E há um medo enorme de deixar esse modelo, pois é só o que conhecemos: procurar a felicidade sendo alguém para alguns”. É exatamente isso. Essa procura de felicidade que a mente conhece, nesse sentido de separatividade, nesse sentido de ilusão, é a procura de preenchimento no outro. Isso não é felicidade, isso é miséria, é sofrimento, dependência, carência, desejo de ser ferido, de ser magoado, de ser ofendido, de sofrer. Então, ninguém nesse mundo está na busca da Felicidade, não pode haver “alguém” na procura dessa coisa. A procura da felicidade é a própria causa, a própria razão da infelicidade. A Felicidade é sua Real Natureza, e em sua Real Natureza só há Você. Em seu Ser você é a Felicidade, e esse Ser que é Você, que é Real Felicidade, é a Felicidade de todas as aparições, e isso “inclui” o outro, o mundo, todo o universo. O Amor é assim. No Amor não há o outro, não existe o outro. O Amor ama a Si mesmo. Ele ama a Si mesmo em tudo, em todas as coisas, em todos os seres, em todas as formas.
E agora? Continua confuso?
Estamos falando a partir desse Espaço, que é Consciência, que não vê separação, que não vê o primeiro e o segundo. Esse Espaço é você em seu Ser. Viva, compartilhe, a partir desse Espaço. Esse é o único Amor possível que você pode dar ao mundo. Um Amor que só é possível quando se percebe claramente que não há você e o mundo. É o único Amor possível para se viver nos relacionamentos, nas relações, quando se descobre que não tem o outro; não é o outro ali, é você mesmo, é você mesma. Então, toda a ilusão cai, toda a mentira cai, todo o medo cai, toda a preocupação de ser enganado, traído, e o desejo de ser enganado, de ser traído, de competir, de lutar… Tudo isso termina, porque o ego termina.
Ok, pessoal? Tem algo mais? Vamos ficar por aqui, então.
Deixe isso se assentar aí em seu coração. Não reflita, não pense sobre isso! Apenas se permita isso, relaxe nisso, desperte nisso! Permaneça em seu Ser, neste Silêncio!
Ok? Namastê!
*Transcrito de uma fala ocorrida em 9 de Janeiro de 2017, num encontro aberto online.
Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

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