domingo, 22 de dezembro de 2013

Sem um Trabalho é Impossível

Participante: Você pode falar sobre ficar no Ser? Por que, às vezes, e como a ilusão do "eu" volta? É um processo?

M.G.: Eu diria que isso é o resultado de um trabalho. A natureza da mente é ser persistente, é não se entregar fácil. A mente só vai até o fim mesmo. Ela jamais se entrega. Permanecer em seu Estado Natural, em seu Estado Real, aquilo que eu chamo de “assentar” em seu Estado Natural, isso é resultado de um trabalho acontecendo aí nesse mecanismo, o trabalho desta mesma Presença, desta mesma Graça, desta mesma Consciência. Sem um trabalho é impossível.

Essa Consciência é uma chama de Presença. Na mente, nós estamos inscientes, inconscientes, não há presença, há só memória, há só identificação com essa memória. Há somente o sentido de separação, o sentido de dualidade, que nós chamamos também de dualismo. Esse é o estado comum, é o estado natural da mente. Satsang é essa proposta do trabalho.

Participante: É sutil a diferença entre procurar controlar a mente – o bandido se fazendo de policial – e a investigação da existência da mente. Você poderia comentar, Marcos?

M.G.: É aí que está o trabalho: na autoinvestigação, na meditação e na entrega. Entrega aqui significa rendição, uma profunda desistência desse agente, desse “eu” no controle. Quando eu falo de autoinvestigação, estou falando de uma investigação que não pode ser feita pela mente. Essa investigação é um trabalho da Consciência. A mente não investiga a mente, a mente se embola com a mente. É o que Ramana chamava de bandido se disfarçando de policial para prender o bandido. Não vai prender nunca.

A mente é inconsciência, ela não pode chegar à Consciência. O trabalho do despertar é um trabalho de descarte do sentido de separatividade, e isso é a mente. A mente não se autosuicida. É necessário um trabalho de autoinvestigação, que é um trabalho da Consciência nesse mecanismo. Esse trabalho é um trabalho de pura investigação, que é um trabalho de meditação. Meditação não está separada dessa investigação, que não está separada dessa entrega. A mente jamais vai deixar de se disfarçar de policial, ela sendo o ladrão. Ela sempre vai dizer: “eu resolvo tudo”, “eu conheço isso”.

Sem uma intervenção desta Presença, que é Consciência, que é Graça, não há trabalho. Sem trabalho, não há o Despertar. Isso porque essa estrutura corpo-mente não entra nessa sintonia, nessa harmonia. Não há um trabalho acontecendo nessa estrutura corpo-mente. Repare que o nosso interesse é muito curto, muito pequeno, muito pouco. Nós não temos o foco suficiente. Isso explica porque levamos muito tempo. Estamos completamente dispersivos. Temos diversos outros interesses antes desse. Nossa energia está completamente dispersa, está em várias direções, menos nessa direção principal. Ficamos entusiasmados por alguns momentos e logo a nossa mente está em busca daquilo que mais interessa, que é a sua continuidade.

Participante: Como se convida essa Consciência, sem se deixar enganar pela mente?

M.G.: Tudo isso é uma ação dessa Presença, dessa Graça. Não se deixar enganar pela mente é resultado desse foco, dessa entrega, desse trabalho. A Graça é algo sempre presente, mas não há foco. A mente tem muitos outros interesses antes desse. Esse ela não tem. E ela se passa por você. Ela nada sabe a respeito do seu Estado Natural, ela não tem qualquer interesse na paz, na liberdade, na Consciência. Na mente não há nada, a não ser esse engano – o engano da autoidentidade. O que temos repetido é que sem estarmos determinados – eu chamei isso aqui de "focados" – somos facilmente desviados por essa falsa identidade. Essas são as nossas tendências internas latentes. Na Índia, eles chamam de vasanas, são os nossos interesses, motivos, razões, desejos, intenções. Essas nossas prioridades.

A Verdade é a última coisa. A Liberação é a última coisa. O fim dessa historinha, dessa suposta identidade, é a última coisa. A mente ama ser o que ela é. Ela ama carregar essa identidade de mãe, de marido, filho, de pessoa, de alguém indo para algum lugar, alguém com um passado, alguém com um futuro. A mente é isso – você é isso nessa ilusão de ser alguém. Um nome, uma forma, uma história. Um passado, um presente, um futuro. Quando você se aproxima desse trabalho, ele não se ajusta a esses interesses dessa suposta identidade.

Participante: Essa sensação de ser alguém é uma imaginação, um sonho?

M.G.: Exatamente. Na verdade, um pesadelo. Um pesadelo disfarçado com alguns momentos de prazer, que chamamos de alegria. Mas a dor e o pesar e o sofrimento é o pesadelo dessa ilusória identidade, desse “alguém” que é o pesadelo – desse pesadelo que é ser “alguém”. Dessa imaginação, desse sonho. Estou apontando pra você algo além disso, além desse "você" que você acredita ser. Isso é a real Liberação, a real Paz, o real Amor, a real Felicidade. Isto é Realização. Tudo o mais que você conhece está dentro desse pesadelo. Todas as fantasias que a mente tem engendrado, criado. Faça uma lista e me mostre, e eu vou lhe dizer: “isso, isso também, isso aí também e isso também”. O que quer que você esteja pensando ainda faz parte desse pesadelo. Você é essa Consciência pura.

Participante: O agora seria o melhor foco?

M.G.: Não. O agora é só uma crença ainda da mente. O melhor foco é o trabalho em Satsang. Isso que está acontecendo agora aqui, esse trabalho de investigação, esse é o melhor foco. A mente pode teorizar sobre o agora, e esse agora nada mais é do que a mente na sua intenção de segurar alguma coisa, de apanhar alguma coisa, de ter alguma coisa ainda, naturalmente dentro do campo dela. É preciso compreendermos quem somos. Se compreendermos nossa real Natureza, essa Presença é a Presença do que É. Isso é o fim da crença do agora. O agora é só uma palavra, enquanto a Consciência é Presença, é Liberação, é Amor, é Paz.

Vocês precisam ter senso de prioridade. Agora é o momento de prioridade. Quantos estão nessa sala? Alguns já foram dormir. Mas já estão dormindo há muito tempo. Agora não é a hora de dormir, é a hora de acordar. Autoinvestigação, meditação e entrega, esse é o foco. Falar do agora é como falar de meditação sem isso. Meditação é o seu Estado Natural. Quando se acorda fica claro que não há qualquer pesadelo. O pesadelo era só a identificação com a mente e esse movimento dela em seus interesses. É o sonho. No acordar, não há pesadelo, porque não há mente, não há “eu”, ego, pessoa, “mim”. Você não está nisso, não tem você nisso.

Participante: Não tem fulano de tal, indivíduo, é só o todo, é só a Graça, sempre foi.

M.G.: É uma bela teoria. Teorizar sobre isso é muito fácil no intelecto, mas isso não resolve. Você está vendo isso, está vivendo isso, isso é você? Você sabe o que está falando?

A beleza de Satsang é a possibilidade de abandonar as crenças, inclusive as crenças das falas de Satsang. Falas de Satsang se tornam crenças, ou seja, lixo. Essas falas são abobrinhas, não servem para nada.

Transcrição de uma fala ocorrida num encontro online, na noite do dia 06 de Dezembro de 2013 – Para informações sobre os encontros online e instruções de como participar, clique aqui.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Bem-vindo ao seu Próprio Ser

Bem-vindo ao seu próprio Ser, o único lugar do qual você jamais saiu. Você já saiu de todos os lugares, menos deste lugar. Você jamais saiu desse espaço, esse Ilimitado Espaço de Presença, que é Você. Nessa noite, nós temos a Graça de ver que esse mundo do lado de fora, com as suas coisas, pessoas e lugares, é apenas uma ideia que aparece neste instante, que aparece agora. Algo interessante a ser dito sobre isso é que essa ideia não é algo separado de você neste instante, é só uma ideia acontecendo em Você, não é algo separado de Você.

O que estamos dizendo é que o mundo do lado de fora, com toda experiência de pessoas, lugares, coisas, não é algo separado de Você. Estamos dizendo que você não é o pensador desse pensamento. Esse pensamento aparece nesta Presença que é Você, não como algo separado. A crença de que há um mundo do lado de fora sendo experimentado por um experimentador presente é uma ilusão, porque não há essa separação. Existe somente essa crença de um pensador. Quando essa crença surge, o mundo inteiro nasce como uma ideia, como um pensamento, nesse vazio que é esse Ilimitado Espaço, que é essa Presença, que é essa Consciência.

Ainda está dando para acompanhar ou já deu um nó na cuca de alguém?

Não há qualquer separação. Percebam que esse "pensador" é a ilusão primária. Depois dessa ilusão primária, surgem todas as outras. Essas outras ilusões só são ilusões devido a essa ilusão primária. Sem essa ilusão primária não existem as outras ilusões. O medo é uma dessas ilusões, o conflito é uma dessas ilusões, o sofrimento é uma dessas ilusões. O conflito, o sofrimento, o medo, é algo possível apenas nessa ilusão primária, nesse pensador. Esse pensador presente, que é uma crença – nele se fundamenta o medo, o conflito e o sofrimento.

Todo o seu conflito, todo o seu sofrimento, todo o seu medo não é seu – é dessa crença, dessa primária ilusão, desse "mim", desse "eu", e isso verdadeiramente não é você. É algo se passando por você, mas não é você. É somente um pensamento. Somente o pensamento quer pôr fim ao pensamento. Somente o pensamento, com essa suposta identidade presente, com esse suposto "eu" presente, com esse suposto pensador presente, somente esse pensamento quer pôr fim ao pensamento. Somente a mente quer colocar um fim na mente. Percebem isso?

A mente diz: "Se a mente for destruída, estarei em paz", "se a mente for destruída, estarei além da mente", "se não houver mais mente" – diz a mente – "estarei além da mente". Percebem o truque? É a mente que quer se livrar da mente. É o medo que quer se livrar do medo, é o conflito que quer se livrar do conflito, é o sofrimento que quer se livrar do sofrimento. Isso é a mente querendo se livrar da mente, a mente querendo ir além da mente. Ela diz: "haverá paz quando eu estiver além da mente". É a mente dizendo isso. A mente gasta sua vida inteira tentando alcançar essa paz nesse mecanismo aí. Todos vocês estão em busca da paz, do amor, da liberdade, da felicidade. E tudo isso de fato é a mente "em seu próprio lugar".

Nessa busca espiritual – nessa suposição de que essa mente – essa entidade separada alcançará essa liberação, essa realização, essa iluminação, um dia. Quando eu lhe convido a vir a Satsang, estou lhe convidando a não perder tempo com essa coisa. Você não tem muito tempo. O corpo já está indo embora, é só você olhar para os sinais que ele está dando. Você não tem muito tempo de, identificado com a mente, ficar perseguindo a mente, lutando com a mente. Você precisa descobrir o que significa entrega, essa entrega a Deus, à Graça, à Presença, ao Ser. Um Mestre vivo é uma facilitação. Não se pode substituir um trabalho direto como esse de Satsang por qualquer outro recurso que a mente idealize, construa, imagine. Ouviram isso? Preciso repetir?

Estamos dizendo que onde a mente se apresente, esta suposta identidade estará presente. E todos os truques que a mente tem estarão se manifestando. Não podemos encontrar essa identidade na mente – na mente pela mente, com a mente. Nós fomos capturados por esses movimentos. Nossa Natureza Real está embolada com esses movimentos. Estamos identificados com a mente e o movimento dela, e ela fazendo de tudo imaginativamente para se livrar dela própria. Todas essas práticas, todas essas técnicas, todos esses truques, leitura de livros, técnicas de respiração, exercícios de visualizações e sei lá mais o quê que vocês conhecem – nada disso funciona. Ainda está no campo da mente.

Nada disso funciona. Ok? Somente esta Presença, somente esta Consciência, somente esta Graça, somente este mergulho de investigação direta por ação dessa Graça, Presença, Consciência, pode colocar fim a essa ilusão, a essa ilusão primária, a esse sentido de separatividade. Nós estamos tentando isso desesperadamente. Queremos ter sucesso nisso. Nós estamos querendo ter sucesso nisso – nós, a mente, nós, esse sentido de separatividade, nós, esse sentido desse buscador, nós, essa ilusão primária. Quando eu digo "nós", eu digo "vocês" – vocês estão ocupados com essa coisa. Vocês precisam ouvir isso com carinho, soltar essa coisa. Nós estamos construindo através do conhecimento, através dos milhares de conceitos e teorias, estamos estufados, abarrotados de experiências de todos os tipos. Aqui se incluem essas experiências intuitivas, místicas, esotéricas, espirituais, especiais.

Não podemos na mente criar uma fórmula, um caminho, uma maneira para essa coisa acontecer. Na verdade, estamos diante de um grande jogo, o jogo da mente – a mente tentando salvar ela própria, salvar ela própria dessa "morte iminente", assim, ela cria essas histórias fantásticas, esses caminhos maravilhosos, sempre buscando, sempre experimentando, sempre esperançosa, ou seja, sempre fugindo. Sempre criando expedientes dentro dos seus truques extraordinários para se manter intacta. É milenar, sabe tudo, conhece todos os meandros, todos os cantos e recantos, todos os caminhos para se manter aí nesse mecanismo. O que faz isso desmontar é Satsang. Esses encontros aqui são mortais.

Satsang significa "encontro com o que é". Esse encontro com o que é é o fim daquilo que parece ser, daquilo que se passa pelo Ser. Esse é o segredo da liberação, é o fim da mente. É isso mesmo. Quando eu digo o "fim da mente" eu digo o fim dessa ilusão primária. O fim do corpo não significa nada, mas o fim da mente é o fim de todo o sofrimento. É o fim desse "mim", desse "eu". É o fim dessa "minha vida", dessa "minha história", dessa "minha realização" ou realizações, é o fim desse "meu mundo", desse "meu mundo" – que apareceu com o surgimento desse pensador, sobre o qual falamos agora há pouco –, desse autor das crenças, desse que é só a maior de todas as crenças – a crença na qual as crenças se fundamentam.

Nós não estamos em contato direto com a vida como de fato ela é, com o mundo como de fato ele é. Nós estamos em contado com a vida como a mente interpreta, em contato com o mundo como a mente interpreta. Isso explica nossa insatisfação, nosso sentido de luta e conflito. O que explica isso é esse sentido de separação criado por essa crença, mantido por essa crença.

P: Qual a origem do ego?

M: Primeiro temos que encontrar esse sentido de separatividade. Então, a pergunta fica assim: aonde está esse sentido de separatividade? Aonde ele aparece? Quando nós entramos fundo nessa investigação, nós constatamos que esse sentido de separatividade aparece e desaparece nesta Presença, nesta Consciência, neste indescritível e Ilimitado Espaço, que é a sua Natureza Essencial. Então, quando entramos fundo nessa investigação desse ego, desse sentido de separatividade, em busca de sua origem, nós constatamos que ele não pode ser encontrado. A investigação desse "eu", desse ego, desse "mim", desse sentido de identidade separada, a investigação – que é exatamente o que fazemos em Satsang – nos traz até essa Fonte, na qual tudo aparece e desaparece.

A verdade é que esse ego, esse "mim", esse "eu", esse sentido de identidade separada é uma ilusão. É uma ilusão, no entanto, presente. Sem uma investigação, sem um trabalho de investigação, ficamos apenas no conceito de ilusão. Na investigação direta, no trabalho, ficamos na constatação direta na verdade da ilusão. Não existe nenhum "mim", nenhum ego, nenhuma pessoa, não existe nenhum sentido de separatividade. Isso é só uma crença. Mas é uma crença bastante significativa, que encontra no corpo-mente uma expressão de presença. É uma crença que não é só uma crença. Eu costumo dizer que é uma contração nessa máquina aí, nesse corpo-mente. Sem um trabalho, aquilo que é somente uma crença se mantém como uma contração, como o sentido de uma identidade presente dentro do corpo.

É curiosa essa coisa dessa ilusória identidade. É uma ilusória identidade, mas é uma ilusória identidade presente. Isso é como a sensação de alguém sentindo a presença de um fantasma dentro de seu quarto. Essa sensação do fantasma dentro de seu quarto continua sendo para esse alguém algo real, até que de fato ele perceba que não há nenhum fantasma dentro do seu quarto. Continuará sendo real enquanto continuar sendo sentida como real. O ego é algo assim. Ele não é real para o seu Estado Natural, mas para o seu estado de identificação com a mente é só o que você tem: medo, conflito, sofrimento, essa ilusão primária.

Assim como no quarto esse alguém tem que perceber que não há nenhum fantasma ali, para essa Verdade, para esse Despertar do seu próprio Ser, um trabalho se faz necessário. E Satsang é essa proposta.

*Transcrição de uma fala ocorrida em 04 de dezembro de 2013, num encontro aberto online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

Compartilhe com outros corações